
Vida Seca celebra 20 anos com espetáculo inédito no Centro Cultural UFG
O grupo Vida Seca sobe ao palco do Centro Cultural UFG no dia 17 de abril, com o espetáculo ProvocaSom. Fruto de um percurso artístico que atravessa duas décadas, a apresentação marca um novo capítulo na trajetória da banda goiana, reunindo experimentações com instrumentos autorais, improvisações e parcerias musicais em uma noite de entrada franca e sons pouco convencionais.
Texto: Iasmin Feitosa
Com duas décadas de trajetória dedicadas à experimentação sonora, o grupo Vida Seca apresenta, no próximo dia 17 de abril, o espetáculo ProvocaSom, no Centro Cultural UFG. A apresentação celebra os 20 anos do grupo e marca o lançamento do álbum homônimo, disponibilizado em fevereiro de 2025. A entrada é gratuita, e o público está convidado a mergulhar em uma experiência musical que une tradição e inovação.
ProvocaSom é o retrato do atual momento da pesquisa do grupo, que vem incorporando instrumentos microtonais criados artesanalmente e explorando sonoridades eletroacústicas, sem deixar de lado os elementos que sempre caracterizaram sua identidade: a percussão vibrante e os sopros marcantes. No palco, instrumentos como o Microxilo, a Comarimba e Us Latão se somam a criações como o PetDrum, feito com materiais reaproveitados, em uma performance que mistura memória, experimentação e improviso.
Além da nova instrumentação, o show contará com participações especiais de artistas que colaboraram no álbum, como Mestre Alemão, Sarah Brabo Durand e Ronan Gil. O espetáculo é fruto de um longo processo de pesquisa e criação coletiva, que reafirma a proposta do grupo de provocar o som em objetos e contextos não convencionais.
Para entender mais sobre o conceito do espetáculo e a trajetória do grupo, confira abaixo a entrevista com Ricardo Roqueto, integrante do Vida Seca.
ENTREVISTA
CENTRO CULTURAL: "ProvocaSom" marca os 20 anos do Vida Seca. O que esse espetáculo representa pra você, individualmente, dentro dessa trajetória coletiva?
RICARDO ROQUETO: Representa grandes amizades que a música me proporcionou. Nós construímos uma amizade dentro da música e, acima de qualquer diferença, ela nos une nesses 20 anos pelo grande prazer de tocarmos juntos — e é exatamente isso que fazemos nesse espetáculo.
O que o público pode esperar de diferente nesse novo show, especialmente em relação aos anteriores do grupo?
Há uma formação instrumental diferente, com alguns instrumentos que haviam sido usados apenas uma vez ao vivo antes deste novo formato. São o Microxilo, a Comarimba e Us Latão, instrumentos que construímos e ganhamos com e do nosso mestre Márcio Vieira, no projeto que acabou inspirando este novo álbum.
Também utilizamos no show alguns instrumentos eletroacústicos inéditos e teremos participações especiais de amigos que colaboraram no álbum e estarão conosco ao vivo, como Mestre Alemão, Sarah Brabo Durand e Ronan Gil.
Vocês trazem agora instrumentos microtonais e experiências eletroacústicas. Como foi o processo de pesquisa e criação sonora até chegar nesse resultado?
Como mencionei anteriormente, a pesquisa dos microtonais — que são a Comarimba e o Microxilo — foi desenvolvida junto com o Márcio Vieira, que integra o Circo Teatro Udi Gudri e é um grande construtor de instrumentos e engenhocas sonoras. Ele é uma referência importante e nosso mentor na construção desses instrumentos.
A pesquisa eletroacústica parte principalmente do nosso integrante Danilo Rosolem, que, a partir de várias influências — como Harry Partch, por exemplo — vem explorando possibilidades de montagem de instrumentos com diversos materiais combinados, reunidos em uma caixa que possa ser amplificada por meio de alto-falantes descartados ou captadores.
É, portanto, uma junção da nossa curiosidade com os ensinamentos — diretos e indiretos — de grandes músicos e construtores de instrumentos alternativos.
Como é o diálogo entre essas novas sonoridades e os elementos que sempre caracterizaram o Vida Seca, como os sopros e a percussão?
O diálogo foi muito bom. É o desenvolvimento de algo que já fazemos desde o início, mas agora temos uma possibilidade de notas muito maior com os novos instrumentos. A harmonização aconteceu de forma muito orgânica, até porque também temos instrumentos de percussão e sopros novos, em comparação com o que usávamos em trabalhos anteriores. O PetDrum é um exemplo: é um tambor com pele feita de plástico PET e corpo de tubos de PVC, que conhecemos por meio do músico uruguaio Cacho Rodriguez.
O espetáculo apresenta o repertório do álbum ProvocaSom, lançado em fevereiro. Como foi transformar esse material de estúdio em uma experiência ao vivo?
Isso depende muito de como você produz a música no estúdio e de cada faixa, especificamente. Algumas são muito tranquilas de adaptar para o formato ao vivo, enquanto outras exigem ajustes nos arranjos e na interpretação de palco. Neste espetáculo, utilizamos alguns pedais que gravam e reproduzem sons, o que nos ajudou a trazer para a performance ao vivo várias faixas gravadas por nosso integrante Thiago Verano — sons que tocam simultaneamente em alguns momentos.
Está sendo uma experiência muito legal e de muito aprendizado. Cada álbum traz isso, e, a cada apresentação, as coisas podem se desenvolver de maneiras diferentes.
Existe alguma faixa do álbum pela qual você tem um carinho especial ou que seja particularmente desafiadora de tocar ao vivo?
É difícil escolher, mas acredito que a faixa "Bolada" é bem interessante e tem um toque de memória afetiva. Usamos nela uma levada que já tocávamos antes mesmo da existência do Vida Seca, ainda no Bloco do Lixo. Então, é uma faixa que representa bem esses 20 anos do grupo, na minha opinião. Tocá-la ao vivo foi um desafio muito interessante, porque ela reúne o familiar com o novo.
Como é o processo de criação dentro do grupo hoje, após duas décadas de estrada? Mudou muito desde o início?
O processo continua o mesmo: muito coletivo. Não temos uma ou duas pessoas que compõem para o grupo — todos participam da composição, e muita coisa é criada de forma colaborativa, nos encontros e ensaios.
Novos instrumentos chegaram, outros saíram, mas vejo que nossa música segue com o mesmo espírito: principalmente uma música percussiva e melódica.
Há espaço para improviso e surpresa dentro do espetáculo, ou tudo está mais estruturado desta vez?
Há bastante espaço para improviso e surpresa. Faremos músicas improvisadas e mantemos uma característica que vem desde o início: interagir com o público sem um roteiro fixo. Muita coisa que acontece é única de cada show, de cada momento com cada público diferente.
O nome “ProvocaSom” é bem potente. De onde veio esse nome?
Esse nome foi criado para um projeto de manutenção do grupo que realizamos com apoio do Fundo Goyazes há alguns anos. Nesse projeto, entre outras ações, foram construídos os instrumentos que protagonizam o novo álbum, em oficinas com o já citado Márcio Vieira.
Nossa amiga, parceira artística e produtora associada na época, Lu Celestino, nos ajudou a criar o nome. Ele vem da ideia de provocar o som em objetos descartados — objetos que, à primeira vista, não são considerados musicais — e também da proposta de fazer uma música fora do padrão comercial dominante, que provoca sentidos em lugares diferentes.
Quando escrevemos o projeto do novo álbum, decidimos usar o mesmo nome, já que os instrumentos protagonistas de grande parte das novas composições vieram desse projeto.
Por fim, o que você espera que marque as pessoas depois que o espetáculo acabar?
A música — e de onde ela pode surgir.
A proposta do ProvocaSom transcende o formato convencional de espetáculo. Ao longo de 20 anos, o grupo construiu uma linguagem própria, marcada por um espírito colaborativo que se reflete tanto nas composições quanto na concepção dos instrumentos e arranjos. Essa horizontalidade artística não apenas fortalece os laços internos entre os integrantes, mas também amplia o diálogo com outras referências musicais e culturais, sem perder o vínculo com sua própria história.
O espetáculo convida o público a experimentar novas formas de escuta e percepção sonora, desafiando padrões e revelando a musicalidade oculta em objetos cotidianos. Mais do que comemorar uma data, o ProvocaSom é um manifesto criativo sobre o poder da invenção coletiva — um convite para redescobrir os sons do mundo à nossa volta.