romeu e julieta

Wellington Dias e o Amor em Êxtase

Entre trilhas nacionais, figurinos híbridos e acessibilidade plena, o novo espetáculo do Fábrica Grupo de Teatro provoca reflexões sobre o tempo, o afeto e a presença. Em E[cs]xtas[y]e – Uma história de Romeu e Julieta, o clássico ganha múltiplas camadas e vozes, em uma encenação que funde o drama shakespeariano à urgência contemporânea de se reconectar com o outro. Mais do que uma montagem sobre amor, a peça transforma o palco em um espaço de escuta, acolhimento e reinvenção.

Texto por: Iasmin Feitosa

romeu e julieta

O amor, em sua forma mais intensa, retorna aos palcos goianos pelas mãos do Fábrica Grupo de Teatro. Com sessões gratuitas e acessíveis, o espetáculo E[cs]xtas[y]e – Uma história de Romeu e Julieta reestreia nos dias 23, 24 e 25 de abril no Centro Cultural da UFG, propondo uma reinvenção contemporânea do clássico de Shakespeare. A montagem se desdobra em três Romeus e três Julietas, que vivem — simultaneamente — diferentes estágios do amor: o encontro, a escolha e a eternidade.

Em cena, a peça se transforma numa verdadeira ópera rock embalada por canções brasileiras e uma estética que mistura o gótico, o elizabetano e o século XXI. Vídeo mapping, esgrima, iPads, rendas e jeans convivem harmonicamente num palco onde o tempo é dissolvido e o sentimento é protagonista. Mais do que uma encenação, E[cs]xtas[y]e é uma experiência — estética, sensorial e afetiva — que trata do amor como algo plural, político e profundamente humano.

À frente da direção e do texto está Wellington Dias, artista com mais de três décadas dedicadas ao teatro, ao cinema e à formação cultural em Goiás. Fundador do Fábrica Grupo de Teatro, ele assina essa que já é a terceira montagem do grupo sobre Romeu e Julieta, trazendo à tona não apenas novos olhares sobre a história, mas também novas urgências sobre o mundo que vivemos. A peça é marcada por escolhas que vão além da estética: há uma preocupação clara com acessibilidade, inclusão e diálogo com diferentes públicos.

Nesta entrevista exclusiva, Wellington compartilha os bastidores dessa criação coletiva: como surgiram as ideias centrais da montagem, por que optaram por uma trilha 100% nacional, o impacto das versões acessíveis e o desafio de transformar um clássico em algo profundamente atual. Em um mundo cada vez mais líquido, ele nos convida a lembrar que o amor — e o teatro — ainda têm muito a dizer.

E[cs]xtas[y]e

 

Confira a seguir:

CENTRO CULTURAL: Por que você decidiu fazer uma nova versão de Romeu e Julieta, dessa vez tão diferente, plural e anacrônica?

WELLINGTON DIAS: Essa ideia surgiu de uma conversa entre mim e um grande amigo, o diretor carioca Antônio Amâncio Canhões. Refletimos sobre as fases do amor: o conhecimento, a renovação de votos — aquele momento em que o casal decide continuar ou não — e o amor eterno, quando se escolhe permanecer. Percebemos que, na obra original de Shakespeare, tudo acontece muito rápido. Em pouco tempo, os personagens se conhecem, se apaixonam e enfrentam a tragédia. Queríamos falar sobre isso.

Essa é a terceira vez que montamos esse espetáculo no Fábrica. Sempre que passa um tempo, sentimos a necessidade de revisitar essa temática. Especialmente agora, em um mundo tão líquido, com relações tão frágeis, sentimos que era essencial voltar a falar sobre amor. Essa versão nasce das nossas vivências pós-pandemia, de um novo olhar, mais amadurecido.

O espetáculo mudou de uma temporada para outra?

Completamente. São três montagens diferentes. Mesmo com alguns atores no elenco desde a estreia em 2008, nossas percepções mudaram. Como dizemos, a cabeça é redonda para o pensamento mudar de direção. Da versão anterior, de 2016, para cá, vivemos quase dez anos de novas experiências que agora transbordam no palco. Essa é, sem dúvida, a versão mais musical. Começou com a ideia de música ao vivo e se transformou em uma ópera rock durante o processo. Percebemos que a música era essencial para comunicar o que sentíamos — e optamos por usar apenas canções brasileiras, para garantir que qualquer público compreendesse a história.

Por que transformar o espetáculo em musical?

Foi um processo natural e coletivo. A música expressava muito do que queríamos dizer, com autores como Pitty, Chico Buarque e Marisa Monte. Percebemos que ela tocava o público de forma direta, então decidimos incorporá-la integralmente à narrativa. Quando vimos, o espetáculo já era uma ópera rock.

Vocês já pensaram em criar músicas autorais?

Sim, temos três músicas goianas no espetáculo. Duas versões foram feitas especialmente para essa montagem e contamos também com composições de dois autores locais.

E de onde veio a decisão de ter três Romeus e três Julietas?

Queríamos traduzir as três fases do amor: o conhecimento, a renovação e o amor eterno. O número três tem muitos significados simbólicos — manhã, tarde e noite; passado, presente e futuro. Então optamos por representá-lo no palco: cada Romeu e Julieta vive uma dessas fases.

romeu e julieta

O figurino é bem marcante. Essa estética foi pensada de forma intencional?

Sim, totalmente. A ideia da tríade está em toda a criação: passado, presente e futuro se misturam. Os personagens usam desde esgrima até pistolas, leem em pergaminhos e iPads. Os figurinos mesclam elementos elizabetanos e vitorianos com referências do punk, do gótico e do heavy metal. Essa mistura está em tudo: música, dança, cenário e figurino.

O espetáculo também conta com intérpretes de Libras e terá uma versão adaptada para o público autista. Como foi adaptar tudo isso?

Para nós, acessibilidade plena é essencial. Temos artistas autistas no elenco e queríamos deixar claro que o autismo não limita a capacidade artística. Contamos com a direção da versão acessível feita por Emanuella Marinho, especialista no público do espectro autista. Para essa versão, toda a trilha será acústica (voz e violão), a iluminação será fixa em tom âmbar e as cenas de conflito foram substituídas por narrativas descritivas, para evitar estímulos sensoriais intensos.

Também era essencial estrear no Centro Cultural da UFG, por ser um espaço com acessibilidade total para cadeirantes e outros públicos. A versão adaptada estreia em julho, em um festival de teatro em São Paulo, e será apresentada em Goiânia em agosto. Teremos, portanto, duas versões do espetáculo: a ópera rock e a versão inclusiva.

Como foi a recepção do elenco à versão adaptada?

Foi imediata. A equipe inteira entendeu a importância disso. Inclusão e acessibilidade são coisas diferentes. Acessibilidade é convidar alguém para a festa; inclusão é convidá-lo para dançar. Todos concordamos que era preciso chamar essas pessoas para dançar com a gente.

O que mais te emocionou ou desafiou nessa produção?

O maior desafio foi condensar tantas vozes e temas. O espetáculo é coletivo — cada artista tem algo a dizer, e queríamos dar espaço para isso. Mas também precisávamos construir algo coerente, que não durasse cinco horas. Então, o grande desafio foi reunir tudo o que queríamos expressar sobre o amor e a vida moderna de forma sensível, acessível e potente.

Esse desafio diminuiu com o tempo ou continua crescendo?

Continua e se renova. Quanto mais acesso à informação temos, mais temos a dizer. E isso é maravilhoso — e desafiador ao mesmo tempo.

Por fim, qual a mensagem que você gostaria que o público levasse após assistir ao espetáculo?

Que o amor ainda tem lugar no mundo. Que, mesmo em tempos líquidos e desumanizantes, as histórias de amor continuam sendo possíveis — e necessárias. Quero que as pessoas saiam identificadas, tocadas, com a certeza de que o amor, mesmo hoje, ainda pode nos transformar.

romeu e julieta

Com sua proposta inovadora e sensível, E[cs]xtas[y]e – Uma história de Romeu e Julieta vai além do que simplesmente revisitar um clássico da dramaturgia mundial. O espetáculo do Fábrica Grupo de Teatro é uma verdadeira imersão nas múltiplas facetas do amor, utilizando música ao vivo, um elenco talentoso e recursos tecnológicos modernos para criar uma experiência única e acessível para todos. A aposta na pluralidade — seja na narrativa, na trilha sonora ou na encenação — se alinha ao propósito de tornar a obra mais próxima do público contemporâneo, com destaque para a diversidade e a inclusão.

À medida que o espetáculo ganha forma e repercussão, a reflexão sobre a importância da arte como meio de resistência e transformação se torna ainda mais pertinente. 

Confira a seguir algumas das músicas tocadas no espetáculo:

  • O que me importa - Marisa Monte
  • Nada pra mim - Ana Carolina
  • Flores - Titãs
  • Como vai você - Roberto Carlos
  • De quem é a culpa? - Cristiano Araújo e Marília Mendonça
  • Pulsos - Pitty
  • Sem ar - D Black