TRAMA

"Trama" costura mito e contemporaneidade em espetáculo

Inspirado nas Moiras da mitologia grega, o espetáculo traz à cena reflexões sobre destinos, silenciamentos e resistências femininas.

Por: Mateus dos Santos

 

TRAMA

Nos dias 16 e 17 de setembro, às 20h, no Centro Cultural UFG (CCUFG), o público poderá assistir ao espetáculo Trama, do Nômades Grupo de Dança. A apresentação tem entrada gratuita e solidária, com a doação de 1kg de alimento não perecível, e convida a refletir sobre os fios que tecem a vida das mulheres, entre resistências, silenciamentos e reinvenções. Inspirada na simbologia das Moiras da mitologia grega, a criação percorre memórias e arquétipos femininos para questionar: o que é permitido às mulheres, ontem e hoje, em suas trajetórias de existência?

Sob direção artística e coreográfica de Cristiane Santos, Trama articula dança, mito e crítica social em uma narrativa que coloca no palco diferentes imagens da mulher, desde aquelas que dão a vida até as que a tecem ou a interrompem. Com coordenação geral de William Bernardes e produção assinada por Jayme Marques, o trabalho reúne no elenco Dinekelle Leme, Julia Ormond e Iara Prado, que dão corpo às múltiplas camadas de resistência.

Em cena, Trama propõe um mergulho nos arquétipos femininos e em suas ressignificações ao longo do tempo, costurando memórias, corpos e símbolos que transitam entre o mito e a realidade. Mais do que narrar histórias, a obra busca provocar perguntas: quais fios ainda aprisionam as mulheres? Quais cortes foram impostos e quais resistências nasceram deles? Nesse processo, a dança se torna espaço de denúncia e de afirmação, ampliando a discussão sobre a condição feminina no passado e no presente. Para falar sobre esses atravessamentos e sobre a concepção da montagem, o produtor Jayme Marques compartilha suas visões sobre o espetáculo e sua relevância no cenário artístico.

TRAMA 01 

Foto: Raphael Fellipe

 

Mateus dos Santos: O nome “Trama” já sugere múltiplos fios, encontros e desencontros. Como essa ideia de “tecer e destecer” aparece na cenografia, na música ou na estética do espetáculo?

Jayme Marques: No espetáculo TRAMA, a metáfora do “tecer e destecer” está presente em toda a construção estética. Na cenografia, os elementos visuais remetem a tecituras, tecidos compondo um espaço que se transforma conforme as ações em cena, criando imagens de entrelaçamento, ruptura e recomposição. Na música, nossa trilha sonora é original, composta pelo musicista Rodrigo Flamarion, os sons dialogam com essa trama: camadas sonoras se sobrepõem, se entrecortam e se desfazem, criando texturas que sustentam o jogo coreográfico. Na estética coreográfica que Cristiane Santos criou, os corpos das intérpretes funcionam como fios vivos: se conectam, se afastam, criam redes de apoio e também enfrentamentos, traduzindo fisicamente a ideia de que a vida feminina é feita de composições e decomposições constantes.

Qual a importância de um projeto como esse ser produzido hoje, num momento em que a sociedade ainda enfrenta debates intensos sobre o lugar da mulher e suas possibilidades de existência?

Jayme Marques: Produzir TRAMA neste momento é afirmar a dança como espaço de reflexão e resistência. Em uma sociedade que ainda debate e disputa o lugar da mulher, o espetáculo se torna um gesto político e poético. Ele amplia vozes, expõe feridas históricas e convida à empatia. Ao trazer para o palco questões como arquétipos femininos, estigmas, opressões e resistências, TRAMA questiona quais são as amarras que ainda tentam calar as mulheres e, ao mesmo tempo, celebra a potência de suas existências. É um projeto que valoriza a memória, denuncia injustiças e projeta futuros possíveis para além das limitações impostas.

As respostas de Jayme Marques revelam que TRAMA não é apenas um espetáculo de dança, mas um projeto profundamente pensado em sua dimensão estética e política. Ao explicar como a metáfora do “tecer e destecer” permeia cenografia, música e movimento, ele evidencia um processo criativo que extrapola o palco: a obra se constrói como uma rede de sentidos, onde cada elemento é um fio indispensável na tessitura de um discurso sobre a vida feminina. Essa concepção reforça a ideia de que a arte, quando comprometida com questões sociais, pode se tornar um espaço de denúncia e também de acolhimento.

Além disso, Jayme destaca a urgência de apresentar uma obra como TRAMA no contexto atual, em que o lugar da mulher continua sendo disputado. O espetáculo emerge, assim, como gesto político e poético, denunciando as violências e opressões históricas, mas também celebrando a força e a resiliência das mulheres. Esse olhar coletivo se amplia agora com a perspectiva da direção artística e coreográfica de Cristiane Santos, responsável por dar corpo e forma à cena. Na entrevista a seguir, Cristiane compartilha o olhar da criação, os desafios do processo e a potência que enxerga no trabalho das intérpretes.

 

TRAMA

Foto: Raphael Fellipe

 

Mateus dos Santos: O espetáculo parte do arquétipo das Moiras da mitologia grega. Como foi o processo de transformar essa simbologia milenar em uma narrativa contemporânea e acessível ao público atual?

Cristiane Santos: É prática no Nômades a pesquisa dos temas que desejamos coreografar. O grupo todo fica envolvido com a ideia, que inicialmente começa por mim. O mergulho no universo das moiras já vinha desde Beladona nosso sétimo espetáculo. Em Beladona conhecemos a Atropa que é uma das senhoras do destino. O que fizemos em Trama, foi aprofundar nas outras irmãs, Laquesis e Cloto. A pesquisa foi realizada com leituras de textos, imagens diversas, pesquisa na internet eb análise de filmes. Tivemos uma palestra com a pesquisadora Nancy Bianchi que nos apresentou perspectivas interessantes sobre o universo feminino, inspiradas no livro "Mulheres que Correm com os Lobos". E fomos fazendo paralelos com as possibilidades conceituais dessa simbologia e os tempos atuais. Ao longo do processo, fomos tecendo paralelos entre a simbologia das Moiras e os tempos atuais, criando uma dramaturgia complexa e instigante. Embora as Moiras sejam nossos parâmetros simbólicos, nosso objetivo foi criar um diálogo corporal e musical com a cultura brasileira. A coreografia, criada por mim, e a música, composta por Rodrigo Flamarion, acreditamos que se unem para gerar uma conexão com o público.

Mateus dos Santos: Em “Trama”, o feminino aparece atravessado por memórias, dores e resistências. Como foi pensar essa dimensão poética e política sem separar o corpo da cena da realidade vivida pelas mulheres?

Cristiane Santos: Não se separa. Somos atravessadas, de alguma forma por várias situações que cotidianamente as mulheres vivem. Algumas violências podemos não sentir diretamente, em nossos corpos, mas ao ouvir, assistir ou saber, é como se fossem conosco. Estamos conectadas, inevitavelmente, por essas experiências. Uma “Trama” mesmo, que conduz a uma realidade que muitas das vezes não queremos viver, mas de algum modo, vivemos...; Ainda assim, podemos ser Átropos, cortando aquilo que não aceitamos mais; podemos ser Láquesis, tecendo novas possibilidades de existência; e podemos ser Cloto, fiando a chance de renascer e recomeçar.

 

trama

Foto: Raphael Fellipe

 

As respostas de Cristiane Santos revelam a profundidade e o cuidado do processo criativo de Trama, que não se limita a resgatar símbolos mitológicos, mas os reinventa em diálogo com a realidade contemporânea. Ao transformar as Moiras em metáforas corporais e musicais, a diretora mostra como a cena pode ser atravessada pelas dores, memórias e resistências das mulheres, sem perder a poesia e a potência política. O espetáculo se afirma, assim, como uma obra que costura mito e atualidade, refletindo sobre o destino feminino e convidando o público a se ver, se reconhecer e também se questionar dentro dessa grande trama coletiva.

Mais do que uma apresentação, Trama é um convite à reflexão e à sensibilidade, um momento para se deixar tocar pela dança, pela música e pelo simbolismo que atravessam o corpo em cena. Uma experiência artística que promete envolver e emocionar diferentes públicos.

Serviço
Espetáculo Trama – Grupo Nômades
Data: 16 e 17 de setembro
Horário: 20h
Local: Centro Cultural UFG (Av. Universitária, nº 1533, Setor Leste Universitário – Goiânia/GO)
Entrada: solidária – 1kg de alimento não perecível
Classificação indicativa: livre

Categorias: CCUFG Teatro CCUFG