GONTIJO

Som, técnica e alma: Carlos Gontijo encanta o público em master class no CCUFG

O saxofonista brasiliense trouxe ao Centro Cultural UFG uma aula de sensibilidade e virtuosismo, inspirando jovens músicos nos Festivais Unificados da EMAC/UFG.

Por: Mateus dos Santos
Festivais Unificados EMAC 2025

O saxofonista brasiliense Carlos Gontijo, um dos maiores nomes do saxofone erudito brasileiro, esteve presente nos Festivais Unificados da EMAC/UFG, nos dias 9 e 10 de outubro, para ministrar uma master class dedicada à performance e à interpretação do repertório erudito. O evento reuniu estudantes, professores e músicos convidados no Centro Cultural UFG, proporcionando uma imersão no universo técnico e expressivo do saxofone. Reconhecido por sua trajetória internacional e pela dedicação à pesquisa e divulgação da música de concerto para o instrumento, Gontijo trouxe à Goiânia uma combinação de excelência artística e generosidade pedagógica que marcou profundamente os participantes. Sua presença nos Festivais reforçou o compromisso da EMAC em oferecer experiências formativas de alto nível, aproximando a academia da prática profissional e fortalecendo a rede de músicos que se dedicam à música instrumental no país.

Durante os encontros, o professor e intérprete explorou temas fundamentais da execução instrumental, como o domínio da sonoridade, a precisão na articulação e o desenvolvimento da expressividade musical. Gontijo destacou que a técnica, por si só, não basta — é necessário compreender o saxofone como uma extensão da própria voz, capaz de comunicar intenções, emoções e ideias. Entre orientações sobre postura, embocadura, controle de ar e fraseado, ele conduziu os alunos a um processo de autodescoberta artística, estimulando-os a pensar criticamente sobre suas escolhas interpretativas. Seu método, construído a partir da experiência acumulada em conservatórios europeus e no diálogo com compositores contemporâneos, mostrou como o estudo consciente pode transformar o modo como o músico se relaciona com o instrumento e com o público.

A participação de Carlos Gontijo nos Festivais Unificados da EMAC não foi apenas uma aula técnica, mas um verdadeiro encontro de gerações e perspectivas sobre a arte de tocar e ouvir. Com uma carreira que atravessa fronteiras — tendo se apresentado em países como França, Alemanha, Áustria, Portugal, Espanha, Bélgica, Uruguai e Argentina — o saxofonista é reconhecido por sua atuação como solista, camerista e pesquisador, além de já ter estreado mais de 100 obras dedicadas a ele por compositores brasileiros e estrangeiros. Sua presença em Goiânia reafirma o papel da universidade como espaço de circulação de saberes e de valorização da música de concerto brasileira. Após a master class, Carlos Gontijo conversou conosco sobre sua trajetória, os desafios e conquistas da carreira, além da importância de aproximar os jovens músicos brasileiros do repertório erudito.

 

GONTIJO

Foto: Assessoria/Divulgação

 

ENTREVISTA



Mateus dos Santos: Como você estrutura sua própria rotina de estudos e prática no saxofone para evoluir tecnicamente e musicalmente?

Carlos Gontijo: Eu sempre mantenho uma rotina diária de estudos para manter minha performance em um nível satisfatório. Para mim, uma boa rotina de estudos tem que priorizar a “qualidade” e não a “quantidade”. Faço estudos eficazes e simples para resolver os problemas técnicos em um curto espaço de tempo. Minha rotina de estudos é dividida da seguinte forma: 15% do tempo: estudo de sonoridade (notas longas, intervalos longos e estudos técnicos lentos), 25% do tempo: estudos técnicos (escalas, arpejos, intervalos, mecanismo e estudos técnicos rápidos), 10% do tempo: leitura à primeira vista e 50% do tempo: repertório. Um ponto muito importante para ter uma boa rotina de estudos é a autoavaliação. É imprescindível se auto avaliar constantemente, de preferência, se gravar e escutar depois da sua seção de estudos.

Mateus dos Santos: Quais são os maiores desafios que um saxofonista clássico enfrenta no Brasil hoje — tanto em termo de repertório quanto de oportunidades — e como superá-los?

Carlos Gontijo: Hoje no Brasil, infelizmente, poucas escolas/estabelecimentos de ensino musical tem um programa e orientadores aptos a prepararem um aluno para os desafios do cenário musical para o saxofonista de concerto. O repertório brasileiro escrito originalmente para saxofone não é vasto, mas é significativo. Muitos compositores brasileiros já escreveram obras significativas para saxofone. Villa-Lobos é prova disso e apesar de ter escrito somente uma obra concertante para saxofone (A FANTASIA para saxofone e Orquestra), ele inseriu o saxofone em diversas de suas obras sinfônicas. Um dos primeiros desafios do saxofonista que quer se tornar um especialista no repertório de concerto é buscar orientação com quem é de fato especialista. Às vezes, ter que sair da sua cidade, quiçá Estado, para se especializar já é um grande desafio. O segundo desafio é o pós-estudos, onde o saxofonista começará a se inserir no mercado de trabalho. Nesse contexto, o saxofonista deverá estar apto a tocar TODO o repertório orquestral (conhecer muito bem os trechos orquestrais) para começar a tocar com orquestras. Conhecer a estéticas das obras é um fator muito importante também. É importante conhecer e preparar os concertos mais importantes com orquestras para poder eventualmente tocar como solista com as orquestras. E por fim, desenvolver/preparar um repertório de câmara para poder tocar em recitais, festivais etc. É importante que o saxofonista seja dinâmico e esteja preparado para as mais variadas oportunidades.

Mateus dos Santos: Você poderia comentar sobre seu processo de preparação para uma master class ou recital — como escolhe repertório, aborda a interpretação e gerencia ansiedades?

Carlos Gontijo: Geralmente as master classes de saxofone que ministro não tem um tema específico. É um formato livre onde alguns alunos “ATIVOS” tocam e eu comento e demonstro como melhorar aspectos técnicos e interpretativos da performance deles. Os alunos “OUVINTES” interagem realizando perguntas e tirando dúvidas sobre algum tópico levantado naquele momento ou sobre qualquer tópico em que ele tenha dúvida. Já nas palestras e/ou workshops que eu ministro, sempre tem um tema específico e geralmente eu preparo com antecedência para que a apresentação dos slides/projeção possa elucidar a apresentação. Sempre gosto de preparar o tema/assunto com bases científicas e sem achismos, pois vivemos em um mundo extremamente artificial e com muitos fakes news e não há nada pior que você transmitir uma informação errada. Então, esse é o meu processo.

 

Mateus dos Santos: Como você enxerga a relação entre técnica (embocadura, respiração, articulação) e expressão musical — existe alguma ordem ou peso relativo que devemos dar entre esses aspectos?

Carlos Gontijo: A técnica está e estará SEMPRE a serviço da música. A técnica NUNCA será mais importante que a música.
Estudamos muita técnica para dominarmos o nosso instrumento a ponto de tornarmos a nossa performance o mais natural possível, ou seja, a técnica nos dá “intimidade” com o instrumento tornando-o uma extensão natural do nosso corpo. Mas, de nada adianta dominarmos o nosso instrumento em questões técnicas se não conhecemos sobre estética musical. Conhecer profundamente os elementos estéticos de cada período da história da música, entender sobre forma e fraseologia são aspectos fundamentais para que possamos construir nossa interpretação/performance.

ANÁLISE

A entrevista com Carlos Gontijo revela não apenas a disciplina e o rigor técnico que sustentam sua trajetória, mas também uma visão profundamente humanista da música. Ao falar sobre sua rotina de estudos, o saxofonista demonstra um equilíbrio entre método e sensibilidade, enfatizando que o aperfeiçoamento técnico deve sempre servir à expressão artística. Sua reflexão sobre os desafios enfrentados pelos saxofonistas clássicos no Brasil expõe a necessidade de fortalecer a formação especializada e de criar pontes entre ensino, pesquisa e prática profissional. Já ao comentar seu processo de preparação para recitais e master classes, Gontijo evidencia uma postura ética e científica diante do ensino — comprometida com a veracidade e com a responsabilidade de formar novas gerações de músicos críticos e conscientes. Em sua fala, a técnica aparece como um meio, nunca como um fim, e a música, como um espaço de verdade, sensibilidade e partilha.

A presença de Carlos Gontijo nos Festivais Unificados da EMAC/UFG reforça o compromisso do evento em valorizar a diversidade artística e promover o encontro entre estudantes, professores e profissionais da música. A programação continua nos próximos dias com concertos, recitais, oficinas, palestras e performances que acontecem no Centro Cultural UFG, reunindo artistas locais, nacionais e internacionais em uma verdadeira celebração da música. O público é convidado a prestigiar o restante da programação, vivenciando de perto o diálogo entre tradição e inovação que marca esta edição dos Festivais — um espaço de aprendizado, troca e inspiração que reafirma o papel da universidade como polo de criação e difusão cultural.

 

 

 

 

Mateus dos Santos Alves

Mateus dos Santos é estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Goiás e estagiário de comunicação no Centro Cultural UFG. Atua com produção de conteúdo e cobertura jornalística de eventos culturais.

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