Sonia Ray e o som em movimento
Contrabaixista fala sobre o início da carreira, os desafios do álbum “Movimento Grave” e a parceria com o compositor Estércio Marquez Cunha
Por: Mateus dos Santos

O concerto Movimento Grave acontece na quarta-feira, 22 de outubro de 2025, às 20h, no Teatro do Centro Cultural UFG (CCUFG), marcando o lançamento do álbum homônimo que reúne obras para contrabaixo do compositor goiano Estércio Marquez Cunha em diversas formações camerísticas, todas dedicadas à contrabaixista Sonia Ray. Este evento representa não apenas a celebração de uma parceria artística consolidada, mas também a culminância de um longo percurso de pesquisa, interpretação e criação colaborativa entre compositor e intérprete. As peças reunidas no álbum foram compostas entre 2001 e 2017 e refletem o olhar de Estércio sobre o contrabaixo como um instrumento de múltiplas vozes e identidades. No palco, Sonia Ray propõe uma escuta que amplia os horizontes da música de concerto contemporânea, revelando a profundidade e a expressividade do registro grave, um território ainda pouco explorado na tradição camerística brasileira.
Com nove obras em diferentes formações, que vão do solo ao quinteto, o álbum Movimento Grave oferece um panorama sonoro de grande riqueza e diversidade. O repertório traz combinações pouco usuais — contrabaixo e voz, contrabaixo e flauta, contrabaixo e violino — e também formações mais densas, como trios e quartetos, em que o instrumento assume papel central. Cada peça apresenta uma abordagem distinta das possibilidades do contrabaixo: texturas em drones, fragmentos melódicos, pizzicatos expressivos e complexos motivos rítmicos criam uma linguagem particular, que mescla o lirismo e a densidade sonora característicos da escrita de Estércio Marquez Cunha. A gravação do álbum foi realizada entre Goiânia e a Noruega, com mixagem e masterização no Studio Klarlyd, reunindo artistas e técnicos de diferentes países em um processo de criação coletivo e meticuloso. Além do impacto artístico, o projeto tem também relevância acadêmica, pois as partituras, edições e registros resultam de atividades de pesquisa e extensão do Laboratório de Performance e Criação Musical (LPCM), disponibilizadas gratuitamente como material de referência para estudantes, pesquisadores e contrabaixistas.
Integrando a programação dos Festivais Unificados da EMAC/UFG, o concerto de lançamento de Movimento Grave destaca a interseção entre arte, pesquisa e pedagogia, valores que norteiam a trajetória de Sonia Ray como intérprete e professora da Universidade Federal de Goiás. Em uma apresentação que promete unir a precisão técnica à profundidade artística, a contrabaixista será acompanhada por músicos convidados que também participaram do álbum, recriando ao vivo as nuances de cada obra. O espetáculo não apenas reafirma a importância do contrabaixo na música contemporânea, mas também celebra a vitalidade da cena musical goiana e sua inserção no contexto internacional. Antes do recital, conversamos com Sonia Ray sobre o processo de gravação, sua relação com o compositor Estércio Marquez Cunha e o significado de lançar um trabalho dessa magnitude em um momento de renovação da música de concerto brasileira.

Foto: Assessoria/Divulgação
ORIGENS
Sonia Ray recorda com emoção o início de sua jornada musical, que começou em 1985, no programa de ensino coletivo de instrumentos do SESC-SP, realizado no SESC Vila Nova. O projeto, idealizado sob a orientação do professor Gerson Frutuoso e a coordenação musical dos maestros Samuel Kerr e João Maurício Galindo, foi um marco em sua formação. Na época, Sonia já cantava e tinha contato com diferentes linguagens musicais, mas foi o som grave e profundo do contrabaixo que a conquistou de forma definitiva. “Já cantava e me apaixonei pelo som grave do contrabaixo. Nunca mais parei de tocá-lo”, relembra. Esse encontro com o instrumento representou não apenas uma escolha artística, mas também o início de uma vocação que a guiaria ao longo de toda a sua carreira.
A partir desse primeiro contato, Sonia desenvolveu uma trajetória sólida e diversa. Com dedicação e curiosidade constantes, aprofundou-se em repertórios variados, passando da música de concerto ao experimental, e consolidou-se como uma das contrabaixistas mais influentes do país. Sua atuação não se limitou aos palcos: Sonia tornou-se também uma importante pesquisadora e professora, referência na Universidade Federal de Goiás (UFG), onde forma novas gerações de músicos e promove o diálogo entre prática artística e investigação acadêmica. Essa formação múltipla, nascida do encantamento juvenil pelo som do contrabaixo, é o que sustenta sua carreira até hoje — uma trajetória marcada pelo amor à música e pela busca constante por novas formas de expressão.
ESPECIAL
Quando questionada sobre qual obra do álbum Movimento Grave mais a toca, Sonia Ray responde com afeto e reflexão. “Amo todas, mas o Trio para Contrabaixo, Clarineta e Violão é especial por ter proporcionado uma união musical em 2016 que dura até hoje com meus amigos e músicos Ricardo Freire e Werner Aguiar”, conta. A obra, escrita por Estércio Marquez Cunha, tem um caráter intimista e camerístico, no qual cada instrumento ocupa um espaço de protagonismo e escuta. Para Sonia, o trio não é apenas uma peça musical, mas também um símbolo da amizade e da cumplicidade artística que nasceu dessa experiência compartilhada no palco.
Além da dimensão afetiva, a contrabaixista destaca que essa obra representa a essência do projeto Movimento Grave: a celebração das conexões humanas por meio da arte. A delicadeza do diálogo entre contrabaixo, clarineta e violão reflete a própria relação entre intérprete e compositor, em um equilíbrio entre precisão técnica e sensibilidade poética. Essa peça tornou-se, com o tempo, um marco em sua trajetória, não apenas pela beleza da escrita de Estércio, mas pela maneira como traduz o espírito de colaboração que permeia todo o álbum. Sonia descreve o Trio como uma obra que a emociona cada vez que a executa, reafirmando sua crença no poder transformador da música de câmara.
DESAFIOS
Ao falar sobre os desafios de interpretar as obras de Estércio Marquez Cunha, Sonia Ray revela a complexidade e a profundidade de seu processo artístico. “A forma refinada de escrita do compositor traz grandes desafios de execução. Exige leveza e precisão, dois aspectos complexos para instrumentos de arco”, explica. Para ela, essa combinação entre exigência técnica e sensibilidade expressiva é o que torna a música de Estércio tão singular. Cada peça exige uma escuta atenta e uma construção cuidadosa da sonoridade, em que o intérprete precisa equilibrar rigor e liberdade criativa.
Sonia destaca ainda que o desafio não se resume à execução das notas, mas envolve a compreensão do universo estético e filosófico das obras. O compositor trabalha com nuances de textura, densidade e silêncio que pedem do intérprete não apenas técnica, mas introspecção. “É uma música que exige que o músico se entregue totalmente, que esteja presente em cada som”, observa. Esse processo, segundo ela, é profundamente enriquecedor e transformador, pois amplia a percepção do instrumento e desafia as fronteiras do fazer musical tradicional. Em Movimento Grave, o contrabaixo não é mero coadjuvante, mas um protagonista que dialoga com o mundo sonoro ao seu redor.
MENSAGEM
Encerrando a conversa, Sonia Ray reflete sobre o que deseja transmitir ao público que ouvirá o álbum pela primeira vez. Para ela, Movimento Grave é mais do que um registro fonográfico: é uma experiência de escuta que convida à contemplação. “Que ouça como quem contempla os movimentos dos sons e a leveza da alma. Receba o contrabaixo na música deste compositor sensível, criativo e singular que é Estércio Marquez Cunha”, diz. Essa frase resume o espírito do projeto — um convite à imersão nas paisagens sonoras criadas por Estércio e interpretadas com sensibilidade por Sonia.
A contrabaixista acredita que a música tem o poder de despertar estados de presença e emoção, e que o álbum é uma oportunidade de vivenciar isso com profundidade. Cada obra é uma janela para o universo expressivo do contrabaixo, instrumento que, segundo ela, “fala ao corpo e à alma com a mesma intensidade”. Assim, o Movimento Grave não é apenas um tributo à obra de Estércio Marquez Cunha, mas também uma celebração da força do som grave como linguagem poética. Sonia convida o público a ouvir com atenção, curiosidade e entrega — a permitir que o som se torne movimento e que a arte transforme a escuta em experiência.


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